Carlos Alberto Santos
Viaje entre sonhos e poesias
Textos
A corrente do bem.

Meu pai sempre dizia que todos possuem um propósito na vida e que, mais cedo ou mais tarde, cada um descobrirá a sua missão. Tenho certeza de que a dele era tentar alegrar um pouco a vida dos menos favorecidos.
Embora não fosse uma pessoa de muitas posses, o pouco que tinha ou sobrava durante o mês já tinha um destino certo. Ele também costumava comprar brinquedos para serem distribuídos no Natal.
Algumas vezes, eu e meu irmão pudemos presenciar a diferença que ele fazia na vida das pessoas. Era assim que tentava despertar em nós valores como humildade, generosidade, honestidade, dignidade e lealdade.
Ainda me lembro como se fosse hoje de uma tarde de dezembro de 1986. Na época, eu tinha sete anos, e meu irmão dez, quando nosso pai nos chamou:
— Antônio e Pedro, hoje vocês vão me acompanhar enquanto distribuo presentes a algumas crianças.
Antônio, todo contente, perguntou se poderia embrulhar os presentes. Nosso pai respondeu que a nossa missão seria escrever alguns bilhetes para serem colocados dentro dos embrulhos. Pedro, então, perguntou:
— Pai, o que devemos escrever?
— Você escreverá o seguinte: “Talvez esse seja seu único presente neste Natal, e estou muito feliz em lhe proporcionar esta alegria. Mas, prometa que, quando crescer e tiver melhores condições de vida, retribuirá o gesto e ajudará uma pessoa necessitada de alguma forma. Quando este dia chegar, você escreverá um bilhete parecido com este e o entregará à pessoa que estiver ajudando”.
 
Em outros momentos, ele simplesmente pedia para que escrevêssemos algo assim:
“Feliz aniversário, é com muita satisfação que estamos lhe dando este bolo em comemoração a esta data, espero que você seja muito feliz. Quando crescer e puder, prometa que retribuirá o gesto, presenteando alguém para lhe proporcionar a mesma alegria que está vivendo neste momento”.
Assim foi a vida de meu pai até os 75 anos, quando sentiu suas forças diminuírem, quando caminhar se tornou uma tarefa muito difícil e ele já não era capaz de ajudar o próximo como antes. Os recursos foram diminuindo, bem como a quantidade de ações que ele conseguia praticar.
Meu irmão Pedro havia completado 39 anos e morava em outra cidade. Eu, embora morasse na mesma cidade que meu pai, pouco o visitava, sendo que a vida atribulada não permitia que eu estivesse presente em sua vida.
Em todo caso, eu sentia profundamente a sua falta. As lembranças da infância sempre surgiam em meus sonhos e algumas vezes eu telefonava, mas ele já se mostrava muito calado. Fora após a morte da mamãe que ele começou a se fechar, mas nunca desistiu de realizar suas boas ações.
Era dezembro de 2014 quando acordei assustado. Por algum motivo, lembrei-me das boas ações de meu pai e senti uma vontade enorme de repetir os seus atos, até que decidi comprar alguns presentes e entregá-los em uma região carente de Osasco.
Parei em frente a uma casa muito humilde, avistei uma senhora que estava apoiada no muro, cabisbaixa e com semblante triste, até que perguntei se havia crianças na casa e ela me respondeu:
— Sim, moço, temos sete crianças.
— Elas ganharam presente de Natal?
— Não, moço. Não temos como dar este luxo a elas.
— Por favor, chame-as. Se me permitir, tenho uma pequena lembrança para cada uma delas.
 
A senhora foi buscar as crianças. Eram quatro meninas e três meninos, sendo que o mais velho aparentava ter uns doze anos de idade.
Assim que tirei o primeiro brinquedo e entreguei ao menino que estava perto de mim, ele o pegou e ficou tão alegre que chegou a gritar, sapatear e chorar. Parecia que tinha achado um grande tesouro e, percebendo que algo tão simples poderia despertar tanta alegria, senti-me emocionado.
Tive uma vontade enorme de visitar meu pai e contar para ele como eu estava me sentindo. Entrei no carro e fui em direção à sua casa. No caminho, avistei dois garotos. O maior estava espancando o menor, até que parei o carro e fui apartar a briga.
— Meninos, parem imediatamente com isto. Qual é o motivo desta briga?
O garoto menor respondeu:
— Moço, tire ele daqui, eu não fiz nada.
— Ele pegou o meu lanche e comeu inteiro.
— Mas eu estava com fome!
— Parem já os dois, peguem este dinheiro e comprem mais lanches. Apenas prometam que não brigarão mais. Estes presentes são para vocês.
— Obrigado moço, não vamos mais brigar.
Despedi-me dos garotos e retomei o caminho em direção à casa de meu pai. O dia estava ensolarado, não havia nuvens no céu e uma leve brisa deixava a temperatura muito agradável. Por um momento, consegui parar e observar a paisagem em minha volta. O verde, os pássaros, as pessoas e os sons estavam mais vibrantes.
Depois de alguns minutos, cheguei à casa de meu pai e o vi sentado em sua cadeira de balanço, embaixo de uma árvore no quintal. Algumas pessoas estavam à sua volta e ele demonstrava uma expressão serena, como a de alguém satisfeito e realizado. Perguntei o que havia acontecido.
— Chegue mais perto, Antônio, veja só o presente que ganhei de aniversário destes jovens.
— Um bolo, meu pai! Que legal, meus parabéns.
— Antônio, veja só este bilhete, reconhece a letra?
— Pai, parece que foi escrito por uma criança.
— Filho, leia o que está escrito.
Conforme lia o bilhete, as recordações surgiam em minha mente. Vi-me sentado com meu irmão Pedro enquanto escrevia aquelas palavras.
— Pai, é um de nossos bilhetes, como isso pode ter acontecido?
— Filho, significa que tudo que fizemos de bom retornou para nós. Nossa corrente valeu a pena.
Sem nada entender, os jovens perguntaram o que havia acontecido. Expliquei que, quase trinta anos atrás, distribuímos alguns presentes com bilhetes iguais àquele.
Naquele momento, o jovem começou a chorar e se lembrou que foi meu pai o responsável por lhe proporcionar o melhor aniversário de sua vida, quando ganhou um bolo de aniversário de um estranho.
Explicou que ficou intrigado quando viu aquele velhinho solitário no quintal e perguntou aos vizinhos se havia algo de errado com ele, que o informaram de que costumava se sentir deprimido no dia do seu aniversário.
Foi então que teve a ideia de comprar um bolo de aniversário e presenteá-lo, entregando junto o bilhete que havia recebido muitos anos atrás e que trazia consigo como um amuleto.
Naquele momento, as lágrimas escorriam dos meus olhos e eu não conseguia contê-las. Era muita coincidência que aquele jovem estava diante de nós depois de tantos anos.
O jovem se chamava Tiago e explicou que, depois de ter recebido o bilhete de meu pai, prometeu que seria alguém na vida, lutou contra as adversidades, dedicou-se aos estudos e, com muito sacrifício, formou-se em medicina.
Meu pai, muito emocionado, ergueu as mãos aos céus e agradeceu a Deus por lhe dar forças e nunca desistir de ajudar o próximo.
Tiago tornou-se um grande amigo e passou a visitar meu pai sempre que podia, representando mais um elo na grande corrente do bem.
 
Calbertosantos
Enviado por Calbertosantos em 18/09/2015
Alterado em 28/01/2018
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