Carlos Alberto Santos
Viaje entre sonhos e poesias
Textos
A cruz da moça.


A casa dos meus avós maternos ficava praticamente vazia durante o ano todo, sendo que somente os dois velhinhos moravam lá. Conforme se casaram, os nove filhos deixaram Arapongas para morar em São Paulo
Em todo caso, era certo que, em dezembro, todos partiam em direção à antiga cidade para passar o Natal com os pais, época que todos adorávamos, quando todos os primos podiam se encontrar e os dias pareciam curtos demais com tudo que tínhamos para fazer.
Durante a noite, nosso passatempo preferido era ouvir as histórias da Vó Eugênia, mas devo dizer que nossos pais não gostavam muito daquele costume, pois depois de ouvi-las não conseguíamos dormir.
Em uma daquelas noites, pedimos para que ela nos contasse sobre uma cruz que ficava na rodovia. Vó Eugênia, com toda sua paciência e disposição, começou a contar sua história e deixou todos mudos, em meio a um silêncio total.
Há muito tempo, vivia na cidade uma moça muito bonita que se chamava Nicole. Ela morava com os pais e era filha única. Aos 19 anos de idade, conheceu um rapaz, Renato, e começaram a namorar. Ele havia terminado um relacionamento recentemente, mas logo que a conheceu sentiu algo forte e dizia que era amor verdadeiro, que estaria com ela por toda a eternidade.
Arlete, a ex-namorada, era uma garota bastante possessiva que não aceitava o término do relacionamento, sempre encontrando maneiras de atrapalhar os dois com intrigas ou ameaças. Como nada do que fazia parecia dar certo, Arlete sentia-se cada vez mais amargurada, triste, doente e focada em tirar Renato de Nicole.
                Certo dia, seus devaneios falaram mais alto que a razão e, juntando-se a uma turma da pesada, ela planejou acabar com a vida da nova namorada. O plano era realizar um assalto que terminaria com uma vítima: Nicole.
Planejado o crime, só restava esperar a oportunidade certa. Esse dia chegou em uma noite muito agradável do mês de março. O céu estava claro, repleto de estrelas e estampava uma lua cheia, como nunca havia sido visto antes.
Renato levava Nicole para casa. Já próximos à estação de trem, foram surpreendidos por três mascarados armados que pediram pela bolsa da moça. Na confusão e em meio ao calor do momento, ela tentou correr e foi interrompida por um tiro que atingiu suas costas.
Os assaltantes fugiram rapidamente, deixando Renato desesperado e sem saber o que fazer. Ao entrar em estado de choque, foi levado à Santa Casa pelas pessoas que estavam presentes no local.
Nicole ficou internada por semanas, seu estado era considerado crítico e, infelizmente, não conseguiu sobreviver. Renato ficou inconformado e tentou fazer de tudo para descobrir os responsáveis pela morte da amada, mas não conseguiu.
Resolveu colocar uma cruz exatamente no lugar em que Nicole havia sido atingida para que todos se lembrassem daquela brutalidade.
Ele ficou desesperado, mal se alimentava, não falava com ninguém e entrou em depressão. Quem o conheceu antes da tragédia jamais o associaria àquela figura irreconhecível que havia se tornado.
Aproveitando-se de sua fragilidade, Arlete tentou se reaproximar, mas Renato parecia odiá-la pelo que havia acontecido. Era como se o seu subconsciente já soubesse que ela estava envolvida.
 
Depois de um mês do falecimento de Nicole, Renato colocou fim ao seu desespero ao atravessar a linha do trem. Esperou por aquela imensa máquina e ficou imóvel enquanto aguardava o choque que o levaria para os braços de Nicole.
Dizem que, em uma noite de lua cheia, uma moça apareceu ao lado da cruz para pedir informações a três homens que por ali passavam.
Quando viram o rosto da moça, entraram em pânico e saíram correndo rumo à linha férrea. Ao escutar o apito do trem, ficaram paralisados e foram atropelados.
Os mais antigos afirmam que a moça avistada nas proximidades da cruz era Nicole, em busca de vingança pela morte de seu namorado Renato. Em algumas noites, é até possível ver um vulto próximo à cruz, que passou a ser conhecida como “a cruz da moça”.
Quando terminou a história, Vó Eugênia podia notar que os rostinhos de seus netos estavam perplexos e que procuravam por seus pais. Certamente, aquela seria uma longa noite.
 
Calbertosantos
Enviado por Calbertosantos em 10/05/2015
Alterado em 28/01/2018
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